Porque você deve incendiar seus próprios navios!
Ao lado da minha cama, duas duzias de livros formam uma pilha alta. Comecei a ler todos e não consigo me separar de nenhum deles. Sei que essa leitura esporádica não vai me ajudar a ter qualquer insight verdadeiro, apesar das muitas horas de dedicação, e que eu deveria ler um livro de cada vez. Então, por que ficar fazendo malabarismo com os 24?
Conheço um homem que tem três namoradas. Ele está apaixonado pelas três e consegue se imaginar tendo filhos com cada uma. No entanto, simplesmente não tem coragem de escolher uma só, porque neste caso teria que desistir das outras duas para sempre. Se ele posterga a decisão, todas as opções continuam em aberto. O lado ruim é que, assim, nenhum relacionamento verdadeiro se desenvolverá.
No século III a.C., o general Xiang Yu despachou seu exército pelo rio Azul para derrubar a dinastia Chin. Enquanto as tropas dormiam, ele ordenou que todos os navios fossem incendiados. No dia seguinte, falou para os soldados: "Vocês agora têm duas escolhas: ou lutam para vencer ou morrem." Ao acabar com a possibilidade de bater em retirada, o general fez com que os homens se concentrassem no único fator que importava: a batalha. O conquistador espanhol Hernán Cortés usou a mesma artimanha motivacional no século XVI. Após aportar no litoral leste do México, afundou o próprio navio.
Xiang Yu e Cortés são excessões. Nós, meros mortais, fazemos todo o possível para manter o máximo de opções em aberto. Os acadêmicos de psicologia Dan Ariely e Jiwoong Shin demonstraram a força desse instinto por meio de um jogo de computador. Começando com cem pontos, três portas aparecem na tela: uma vermelha, uma azul e uma verde. Abrir a porta custa um ponto ao jogador, mas cada sala exploara poderia render mais pontos. Os jogadores reagiram de forma lógica: descobriram a sala que dava mais pontos e ficaram enfiados lá durante o jogo inteiro. Arely e Shin, então mudaram as regras. Se as portas não fossem abertas em 12 jogadas, elas começavam a encolher e por fim desapareciam. Dessa vez, os jogadores passaram a correr de porta em porta para garantir o acesso a todos os possíveis tesouros. Essa corrida improdutiva fez com que a pontuação geral fosse 15% menor. Os pesquisadores acrescentaram outra novidade: abrir as portas passou a custar três pontos. A mesma ansiedade tomou conta dos jogadores, que queimaram pontos tentando manter todas as portas abertas. Mesmo sabendo quantos pontos estavam escondidos em cada sala, nada mudou. Eles não estavam dispostos a pagar o preço de perder opções.
Por que agimos de forma tão irracional? Porque o lado ruim desse tipo de comportamento nem sempre é aparente. No mercado financeiro, tudo é as claras: a opção por determinado título sempre tem um custo. Não existe opção sem custos. Em outras áreas, no entanto, as escolhas parecem vir de graça. Pura ilusão. Elas também têm um preço, mas a etiqueta costuma estar escondida e ser intangível: cada decisão custa energia mental e consome tempo precioso. Executivos que examinam todas as possibilidades de expanção costumam não escolher qualquer delas no final. Empresas que querem atingir todos os segmentos de consumidores acabam não chegando a nenhum. Vendedores que correm atrás de cada oportunidade acabam sem fechar nenhum negócio.
Somos obsecados em manter todas as cartas na mão, sem descartar nenhuma, e queremos estar sempre abertos para todas as possibilidades. No entanto, essa postura pode facilmente nos custar o sucesso. Temos de aprender a fechar portas. Uma estratégia comercial é, antes de mais nada, uma declaração sobre onde a empresa não vai atuar. Adote uma estratégia de vida parecida com as estratégias corporativas: anote o que não deve ser buscado. Em outras palavras, tome decisões bem pensadas sobre o descarte de algumas possibilidades e, quando uma opção surgir, veja se ela consta da sua lista de coisas a não buscar. Além de manter você longe de confusão, isso tembém lhe poupará muito tempo de reflexão. Não vale a pena entrar na maioria das portas, mesmo que pareça muito fácil abrir a fechadura.
Fonte: Livro - A Arte de pensar claramente de Rolf Dobelli