Focar no que está presente, esquecer o que está ausente.
Em Estrela de Prata, romance policial de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes resolve um crime prestando atenção no que não aconteceu - o cão da família não latiu. Isso indicava que o assassino era alguém que o animal conhecia. A história mostra como a pessoa comum geralmente não está atenta ao que denominamos pistas negativas, algo que deveria ter acontecido mas não aconteceu. Nossa tendência natural é focarmos nas informações positivas, considerar apenas o que podemos ver e ouvir. Somente os tipos mais criativos como Holmes pensam de maneira mais abrangente e rigorosa, levando em conta as informações que faltam em um evento; percebendo as ausências tanto quanto as presenças.
Durante séculos, os médicos presumiram que as doenças eram provocadas exclusivamente por agentes externos que atacavam o corpo - um germe contagioso, uma corrente de ar frio, vapores contaminados, e assim por diante. O tratamento dependia da descoberta de medicamentos que se contrapusessem aos efeitos danosos desses fatores ambientais. Até que, no começo do século XX, o bioquímico Frederick Gowland Hopkins, estudando os efeitos do escorbuto, teve a ideia de inverter a perspectiva. O que causava o escorbuto não era algo que atacava de fora, mas algo que faltava no corpo - nesse caso, o que veio a ser conhecido como vitamina C. Pensando de forma criativa, ele não considerou o que estava presente, mas o que estava ausente, a fim de resolver o problema. Isso levou a seu trabalho revolucionário sobre vitaminas, que alterou por completo o conceito de saúde.
Nos negócios, a tendência natural é observar o que já está presente no mercado e pensar em como torná-lo melhor ou mais barato. A abordagem mais eficaz - equivalente a ver a pista negativa - é concentrar a atenção em alguma necessidade que não está sendo atendida, no que está ausente. Para isso é necessário mais reflexão e um esforço maior de conceituação, mas as recompensas podem ser imensas quando se identifica uma carência insatisfeita. Um modo interessante de iniciar esse processo mental é partir de uma nova tecnologia disponível e considerar como ela poderia ser aplicada de forma muito diferente, atendendo a alguma necessidade latente, que talvez exista, mas que não é de todo evidente. Se a necessidade for óbvia demais, outras pessoas já a estarão considerando.
Afinal, a capacidade de mudar a perspectiva é uma função da imaginação. Precisamos aprender a imaginar mais possibilidades do que em geral consideramos, sendo tão abertos e radicais nesse processo quanto possível. Trata-se de algo tão importante para inventores e empresários quanto artistas. Veja o caso de Henry Ford, pensador altamente criativo. Nos primeiros estágios da fabricação de automóveis, Henry Ford imaginou um tipo de empresa diferente da predominante na época. Ele queria produzir em massa o automóvel, ajudando a criar a cultura de consumo, que sentia estar chegando. Mas os operários de suas fábricas demoravam mais de 12 horas para produzir um único automóvel, o que era lento demais para atingir seu objetivo.
Um dia, pensando em métodos para acelerar a produção, Ford observou os trabalhadores correndo para todos os lados, o mais rápido que podiam, em torno do automóvel em fabricação, imóvel sobre uma plataforma. Ford não pensou nas ferramentas e em como podiam ser melhoradas, tampouco se preocupou em aumentar a velocidade dos operários ou em contratar mais mão de obra - pequenas mudanças que não seriam suficientes para chegar a dinâmica de produção em massa. Em vez disso, ele imaginou algo completamente diferente. De repente, como em um lampejo, ele viu carros se movimentando em linha, entre sucessivos postos de trabalho estacionários, cada trabalhador executando apenas algumas tarefas à medida que os veículos avançavam de uma para outra posição. Em poucos dias, experimentou a ideia e se deu conta da importância do que estava a ponto de realizar. Quando ela foi totalmente implementada, em 1914, a linha de montagem era capaz de produzir um carro em 90 minutos. Com o passar do tempo, ele aprimorou ainda mais o processo que proporcionava essa miraculosa economia de tempo.
À medida que você libera a mente e desenvolve a capacidade de mudar sua perspectiva, lembre-se do seguinte: as emoções que sentimos em qualquer momento exercem uma influência desmedida sobre a forma como percebemos o mundo. Se estamos com medo, tendemos a enfatizar os perigos de alguma ação. Se nos sentimos ousados, tendemos a ignorar os riscos potenciais. O que se deve fazer, então, é não só alterar a perspectiva mental mas também inverter a disposição emocional. Por exemplo, se você estiver enfrentando muita resistência e sofrendo retrocessos em seu trabalho, tente encarar a situação como algo de fato muito positivo e produtivo. Essas dificuldades o tornarão mais corajoso e mais consciente das falhas a serem corrigidas. Nos exercícios físicos, a resistência é uma maneira de fortalecer o corpo, o mesmo acontece com a mente. Atue do mesmo modo em relação aos bons tempos, quando tudo parece dar certo - conscientizando-se do perigo de se tornar complacente, de ficar viciado em receber toda a atenção, e assim por diante. Essas inversões liberarão a imaginação para conceber mais possibilidades, o que afetará seu método de trabalho. Se você encarar os retrocessos como oportunidades, é mais provável que isso se converta em realidade.
Fonte: Trecho do livro Maestria de Robert Greene